segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Jogo da Vida

Em 1977 estreia O Jogo da Vida, filme baseado na coletânea de contos Malagueta, Perus e Bacanaço (1963). Esta é considerada pelo crítico Alfredo Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira, a maior obra de João Antônio. A película teve direção de Maurice Capovilla. Maurício do Valle, Gianfrancesco Guarnieri e Lima Duarte foram escolhidos para os papéis principais. A produção ficou por conta da Documenta Produções Artísticas e da Embrafilme. O roteiro foi elaborado por João Antônio, Maurice Capovilla e Gianfrancesco Guarnieri.

João Antônio reprovou o filme, sobretudo a escolha do elenco central. Autor da biografia Paixão de João Antônio (2005), Mylton Severiano explica: “Fortudos e bem tratados, ao representar os personagens esquálidos da sinuca, nem um sequer dos três atores tinha physique du rôle – o tipo para o papel”.


O nome da fita também desagradou ao escritor, que não usava artigo definido em títulos. O nome ideal seria Jogo da Vida, e não O Jogo da Vida. Três semanas antes de morrer, escreveu a Severiano: “Os analfabetos e distraídos dos jornais ainda não perceberam que nunca uso artigo definido nos meus títulos, só os indefinidos; mas eles não são de perceber nada”.

Em compensação, o célebre jogador de sinuca Carne Frita atuou na produção. JA o considerava o “maior taco que já apareceu neste país” e lhe dedicou a primeira edição de Malagueta, Perus e Bacanaço.


                                          Da esq. para a dir.: Maurício do Valle, Gianfrancesco Guarnieri, Lima Duarte e João Antônio durante filmagens de O Jogo da Vida

domingo, 15 de novembro de 2009

Ranking da BRAVO!


Em uma das edições especiais da série BRAVO! 100, a revista BRAVO! apresenta um ranking dos 100 principais livros da literatura brasileira. Da seleção, consta apenas uma obra de João Antônio: a coletânea de contos Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), que ocupa o 42º lugar. Primeiro livro do escritor, a coletânea lhe rendeu dois prêmios Jabuti – de revelação e de melhor livro de contos.

Acerca da importância dessa obra, a revista afirma: “Após a publicação de Brás, Bexiga e Barra Funda (1927), de Antônio de Alcântara Machado, foram necessários 36 anos para que o âmago da sociedade paulistana retornasse à cena literária nacional. Malagueta, Perus e Bacanaço, publicado em 1963, revolucionou o modo de retratar a realidade do submundo da metrópole. A sociedade invisível dos marginalizados foi descrita na obra de forma magistral pelo escritor, jornalista e boêmio João Antônio”.


BRAVO! lembra ainda a tragédia que assinalou a composição do livro de estréia do autor: em 1960, um incêndio causado por um ferro de passar roupa destruiu todos os manuscritos originais, o que levou João Antônio a entrar em depressão. O desastre foi contornado graças à ajuda do escritor Mário da Silva Brito, que lhe conseguiu um lugar na sala 27 da Biblioteca Municipal de São Paulo, onde João Antônio reescreveu partes do livro.


Sobre a escrita de João Antônio, BRAVO! afirma: “Sua linguagem tende a um coloquial expressivo, no qual a dureza da fala se alia a um lirismo extraído do ritmo sincopado, duro, dos períodos curtos. Embora proporcione fácil assimilação, a prosa não abdica da densidade psicológica e filosófica que cerca seus personagens”.

O pódio do ranking coube a Machado de Assis e Graciliano Ramos. O primeiro é representado pelas Memórias Póstumas de Brás Cubas (1ª colocação) e Dom Casmurro (2ª colocação), enquanto o segundo emplacou Vidas Secas no terceiro lugar. João Antônio admirava ambos. O publicitário e escritor Ricardo Ramos, filho de Graciliano, era amigo de JA. Em depoimento concedido a Mylton Severiano, presente na biografia Paixão de João Antônio (2005), Virgínio revela que seu irmão João Antônio e Ricardo Ramos se reuniam em sessão espírita para aquele psicografar escritos de Graciliano Ramos.


“Meu irmão e o Ricardo Ramos se trancavam na sala da Rua Botocudos, 61, no Anastácio. Sabe o que faziam ali? Sessão espírita. Meu pai participou e me contou. Meu irmão psicografou muita coisa do Graça. Levava uma hora pra escrever uma folha. Não saiu coisa boa. Mas sabe o que acontece? A capacidade não está no médium, mas em quem dá a mensagem”.

sábado, 7 de novembro de 2009

João Antônio e Rubem Fonseca


No texto A Nova Narrativa, presente no livro A Educação Pela Noite e Outros Ensaios, o crítico Antônio Cândido discorre a respeito da ficção produzida nas décadas de 60 e 70. Ele comenta o fato de alguns contistas se destacarem pela “penetração veemente no real graças a técnicas renovadoras, devidas, quer à invenção, quer à transformação das antigas”.

Os escritores João Antônio e Rubem Fonseca são considerados dignos de menção. Do primeiro, Cândido exalta a coletânea Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), considerada “vigorosa”, e o conto longo Paulinho Perna-Torta (1965), alçado à categoria de obra-prima, não só do autor, mas de toda a literatura brasileira. Sobre o conto longo, o crítico afirma: “Nele parece realizar-se de maneira privilegiada a aspiração a uma prosa aderente a todos os níveis da realidade, graças ao fluxo do monólogo, à gíria, à abolição das diferenças entre falado e escrito, ao ritmo galopante da escrita, que acerta o passo com o pensamento para mostrar de maneira brutal a vida do crime e da prostituição”.

Rubem Fonseca é equiparado a João Antônio quanto ao estilo de seus escritos, chamado de “ultra-realismo sem preconceitos”. Cândido aventa a hipótese de que ambos foram os propulsores de uma das tendências em voga da ficção contemporânea, denominada “realismo feroz”. Assim o crítico caracteriza a prosa de Rubem Fonseca e, por extensão, a de João Antônio: “Ele também agride o leitor pela violência, não apenas dos temas, mas dos recursos técnicos — fundindo ser e ato na eficácia de uma fala magistral em primeira pessoa, propondo soluções alternativas na seqüência da narração, avançando as fronteiras da literatura no rumo duma espécie de notícia crua da vida”.

A afinidade entre os autores, contudo, parece ser meramente literária. Segue trecho de carta de João Antônio ao amigo Mylton Severiano, datada de 22/04/81 e publicada na biografia Paixão de João Antônio (2005), da autoria de Severiano:


“Não se esqueça de ler a matéria das páginas amarelas de Status de abril. Ali se vê como foi tramada a chamada revolução de 64 para ‘pôr ordem na casa’, A tal ordem que levou este país a 160% de inflação por ano. Bem. Entre os implicadores e implicados estão Rachel de Queiroz, Odylo Costa, filho, e José Rubem Fonseca, o mesmo que escreve contos de Feliz Ano Novo, livro supercensurado em 1976 e pelo qual 1.076 assinaram manifesto publicado pelo Jornal do Brasil.


Ora, a esta altura, Rubem Fonseca e os próprios homens do sistema, inclusive o ministro Armando Falcão, deveriam estar rindo dos babaquaras e ingênuos...

A chamada comunidade lítero-artística aqui do Rio parece ter encafifado com o desmascaramento. Eu, não. Policial pra mim é policial. E Rubem Fonseca foi delegado de polícia, antes de ser um dos principais elementos da Light, ainda canadense. Era o sexto homem da Light no Brasil. Logo, policial vitorioso”.