terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Morte de João Antônio

Aos 59 anos e nove meses, João Antônio foi encontrado morto em seu apartamento. Ele morava na cobertura do edifício Lamberti, nº 15-A, Praça Serzedelo Correia, Copacabana, Rio de Janeiro. Era o dia 31 de outubro de 1996. O escritor ficara quase um mês desaparecido. João Antônio estava deitado na cama, de barriga para cima, com uma perna esticada e uma apoiada no chão. Sem sapatos, vestia calça de abrigo e camiseta. O corpo encontrava-se em avançado estado de decomposição.


A família já havia estado em hospitais, delegacias e no IML. Os amigos publicaram notinhas em jornais cariocas para comunicar o desaparecimento. Policiais da 12ª DP foram chamados pelos vizinhos. Um chaveiro abriu o apartamento 702 na presença da delegada titular, Ângela Costa, de alguns agentes, do zelador e do síndico. Segundo a perícia, João Antônio estava ali havia cerca de vinte dias e teve morte natural. O apartamento estava intacto, mas muito sujo. Junto da porta, montes de correspondências se acumulavam.

Segundo o único irmão do escritor, Virgínio Antônio Ferreira, ele tinha o hábito de desaparecer, então sempre acreditou que voltasse. De acordo com Marília Mendonça Andrade, sua primeira mulher, era normal João Antônio sair para comprar cigarro e retornar quinze dias depois.


Em julho de 1994, em conferência na Unesp, João Antônio vaticina sua morte pitoresca: “Eu acho que eu escrevo até quando eu estou sonhando; eu só gosto de escrever, eu não gosto de mais nada. Eu só gosto de escrever. Eu sinto que não resta muito tempo. Um dia desses sonhei que havia morrido e só encontraram meu corpo uma semana depois”.



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Arquivo João Antônio


O Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (Cedap) da Faculdade de Ciências e Letras (FCLA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Assis, desenvolve o projeto Arquivo João Antônio. Os professores doutores envolvidos, Ana Maria Domingues de Oliveira, Antônio Roberto Esteves, Benedito Antunes, João Luís Cardoso Tápias Ceccantini e Tania Celestino de Macêdo, buscam preservar, organizar, analisar e estudar o acervo deixado pelo autor.


O acervo é constituído por correspondência (passiva e ativa), produção intelectual (livros e artigos publicados e originais, além de várias versões da maioria dos textos), iconografia, discografia, biblioteca, hemeroteca, troféus e móveis, além de outros objetos. O arquivo foi cedido por dez anos pela família de João Antônio ao Cedap. Pesquisadores de todos os níveis, vinculados ou não à Unesp de Assis, fizeram e fazem uso do Arquivo João Antônio para consultas.


O sítio virtual Um bacanaço chamado João Antônio foi concebido e realizado pelas professoras Ana Maria Domingues de Oliveira e Tania Celestino de Macêdo. Estão disponíveis para download alguns dos trabalhos produzidos com base no acervo, como a dissertação de mestrado A crítica de João Antônio na Tribuna da Imprensa, da autoria de Cleide Durante Assis de Jesus.
 
O site ainda apresenta dados biobibliográficos do autor e comentários críticos sobre sua obra. Também é possível ouvir um trecho de conversa gravada com o escritor.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Um dia no cais

A edição especial número 11 da revista Biblioteca EntreLivros, intitulada Jornalismo X Literatura: as fronteiras entre ficção e realidade, faz uma “reflexão sobre os limites entre arte e vida, entre notícia factual e relato atemporal – e quando ambos os planos se cruzam dentro das mesmas quatro linhas”, conforme afirma o editor da publicação Ronaldo Bressane. (p. 3) A revista é divida em três seções: Da notícia ao livro; A vida como ela é; Novo jornalismo. Integra a última parte o texto O conto-reportagem de João Antônio, da autoria de Gabriel Falcione. A reportagem consiste num trecho da biografia inédita João Antônio, um bacanudo.


O escritor e jornalista João Antônio trabalhava como redator-chefe do caderno de Cultura do Jornal do Brasil em julho de 1965 quando foi convidado pelo amigo Paulo Patarra para participar da equipe fundadora de Realidade (1966-1976). Foi nessa revista da editora Abril, influenciada pelo new journalism e especializada em tratar de temas tabus no Brasil dos anos 60, onde João Antônio inaugurou o gênero conto-reportagem no país.


O editor de texto Sérgio de Souza apoiou a iniciativa de João Antônio, segundo se vê em depoimento concedido a Gabriel Falcione: “Eu tinha de dar uma chance a ele. Havia resistência por parte do Patarra [Paulo Patarra, redator-chefe de Realidade], que tinha medo da reação dos Civita [Roberto Civita, diretor de redação de Realidade, e Victor Civita, fundador da editora Abril]. A gente fazia coisas bastante loucas na revista, mas apostar em um conto-reportagem poderia descredibilizar qualquer coisa que publicássemos daí em diante. Era cortar na carne a tênue linha que separa fato e ficção. No jornalismo, no jornalismo sério eu digo, não se brinca com essas coisas. Mas era preciso fazer algo. Eu queria ver aquilo publicado e sabia que, no fundo, o Patarra também”.


Com fotos de Jorge Butsuem, Um dia no cais saiu publicado na página 98 da edição número 30 de Realidade, datada de setembro de 1968. O enredo transcorre no porto de Santos, à época o maior da América Latina e um dos três maiores do mundo. O escritor passou um mês na cidade de Santos em trabalho de campo, escrevendo e coletando informações. João Antônio incluiu o conto-reportagem em Malhação do Judas Carioca (1975), com o título abreviado para Cais. Quarenta anos depois da publicação de Um dia no cais, Leonardo Fuhrmann, repórter da revista Brasileiros, passou uma semana hospedado na zona portuária de Santos para escrever uma reportagem sobre a rotina dos tipos locais.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Jogo da Vida

Em 1977 estreia O Jogo da Vida, filme baseado na coletânea de contos Malagueta, Perus e Bacanaço (1963). Esta é considerada pelo crítico Alfredo Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira, a maior obra de João Antônio. A película teve direção de Maurice Capovilla. Maurício do Valle, Gianfrancesco Guarnieri e Lima Duarte foram escolhidos para os papéis principais. A produção ficou por conta da Documenta Produções Artísticas e da Embrafilme. O roteiro foi elaborado por João Antônio, Maurice Capovilla e Gianfrancesco Guarnieri.

João Antônio reprovou o filme, sobretudo a escolha do elenco central. Autor da biografia Paixão de João Antônio (2005), Mylton Severiano explica: “Fortudos e bem tratados, ao representar os personagens esquálidos da sinuca, nem um sequer dos três atores tinha physique du rôle – o tipo para o papel”.


O nome da fita também desagradou ao escritor, que não usava artigo definido em títulos. O nome ideal seria Jogo da Vida, e não O Jogo da Vida. Três semanas antes de morrer, escreveu a Severiano: “Os analfabetos e distraídos dos jornais ainda não perceberam que nunca uso artigo definido nos meus títulos, só os indefinidos; mas eles não são de perceber nada”.

Em compensação, o célebre jogador de sinuca Carne Frita atuou na produção. JA o considerava o “maior taco que já apareceu neste país” e lhe dedicou a primeira edição de Malagueta, Perus e Bacanaço.


                                          Da esq. para a dir.: Maurício do Valle, Gianfrancesco Guarnieri, Lima Duarte e João Antônio durante filmagens de O Jogo da Vida

domingo, 15 de novembro de 2009

Ranking da BRAVO!


Em uma das edições especiais da série BRAVO! 100, a revista BRAVO! apresenta um ranking dos 100 principais livros da literatura brasileira. Da seleção, consta apenas uma obra de João Antônio: a coletânea de contos Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), que ocupa o 42º lugar. Primeiro livro do escritor, a coletânea lhe rendeu dois prêmios Jabuti – de revelação e de melhor livro de contos.

Acerca da importância dessa obra, a revista afirma: “Após a publicação de Brás, Bexiga e Barra Funda (1927), de Antônio de Alcântara Machado, foram necessários 36 anos para que o âmago da sociedade paulistana retornasse à cena literária nacional. Malagueta, Perus e Bacanaço, publicado em 1963, revolucionou o modo de retratar a realidade do submundo da metrópole. A sociedade invisível dos marginalizados foi descrita na obra de forma magistral pelo escritor, jornalista e boêmio João Antônio”.


BRAVO! lembra ainda a tragédia que assinalou a composição do livro de estréia do autor: em 1960, um incêndio causado por um ferro de passar roupa destruiu todos os manuscritos originais, o que levou João Antônio a entrar em depressão. O desastre foi contornado graças à ajuda do escritor Mário da Silva Brito, que lhe conseguiu um lugar na sala 27 da Biblioteca Municipal de São Paulo, onde João Antônio reescreveu partes do livro.


Sobre a escrita de João Antônio, BRAVO! afirma: “Sua linguagem tende a um coloquial expressivo, no qual a dureza da fala se alia a um lirismo extraído do ritmo sincopado, duro, dos períodos curtos. Embora proporcione fácil assimilação, a prosa não abdica da densidade psicológica e filosófica que cerca seus personagens”.

O pódio do ranking coube a Machado de Assis e Graciliano Ramos. O primeiro é representado pelas Memórias Póstumas de Brás Cubas (1ª colocação) e Dom Casmurro (2ª colocação), enquanto o segundo emplacou Vidas Secas no terceiro lugar. João Antônio admirava ambos. O publicitário e escritor Ricardo Ramos, filho de Graciliano, era amigo de JA. Em depoimento concedido a Mylton Severiano, presente na biografia Paixão de João Antônio (2005), Virgínio revela que seu irmão João Antônio e Ricardo Ramos se reuniam em sessão espírita para aquele psicografar escritos de Graciliano Ramos.


“Meu irmão e o Ricardo Ramos se trancavam na sala da Rua Botocudos, 61, no Anastácio. Sabe o que faziam ali? Sessão espírita. Meu pai participou e me contou. Meu irmão psicografou muita coisa do Graça. Levava uma hora pra escrever uma folha. Não saiu coisa boa. Mas sabe o que acontece? A capacidade não está no médium, mas em quem dá a mensagem”.

sábado, 7 de novembro de 2009

João Antônio e Rubem Fonseca


No texto A Nova Narrativa, presente no livro A Educação Pela Noite e Outros Ensaios, o crítico Antônio Cândido discorre a respeito da ficção produzida nas décadas de 60 e 70. Ele comenta o fato de alguns contistas se destacarem pela “penetração veemente no real graças a técnicas renovadoras, devidas, quer à invenção, quer à transformação das antigas”.

Os escritores João Antônio e Rubem Fonseca são considerados dignos de menção. Do primeiro, Cândido exalta a coletânea Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), considerada “vigorosa”, e o conto longo Paulinho Perna-Torta (1965), alçado à categoria de obra-prima, não só do autor, mas de toda a literatura brasileira. Sobre o conto longo, o crítico afirma: “Nele parece realizar-se de maneira privilegiada a aspiração a uma prosa aderente a todos os níveis da realidade, graças ao fluxo do monólogo, à gíria, à abolição das diferenças entre falado e escrito, ao ritmo galopante da escrita, que acerta o passo com o pensamento para mostrar de maneira brutal a vida do crime e da prostituição”.

Rubem Fonseca é equiparado a João Antônio quanto ao estilo de seus escritos, chamado de “ultra-realismo sem preconceitos”. Cândido aventa a hipótese de que ambos foram os propulsores de uma das tendências em voga da ficção contemporânea, denominada “realismo feroz”. Assim o crítico caracteriza a prosa de Rubem Fonseca e, por extensão, a de João Antônio: “Ele também agride o leitor pela violência, não apenas dos temas, mas dos recursos técnicos — fundindo ser e ato na eficácia de uma fala magistral em primeira pessoa, propondo soluções alternativas na seqüência da narração, avançando as fronteiras da literatura no rumo duma espécie de notícia crua da vida”.

A afinidade entre os autores, contudo, parece ser meramente literária. Segue trecho de carta de João Antônio ao amigo Mylton Severiano, datada de 22/04/81 e publicada na biografia Paixão de João Antônio (2005), da autoria de Severiano:


“Não se esqueça de ler a matéria das páginas amarelas de Status de abril. Ali se vê como foi tramada a chamada revolução de 64 para ‘pôr ordem na casa’, A tal ordem que levou este país a 160% de inflação por ano. Bem. Entre os implicadores e implicados estão Rachel de Queiroz, Odylo Costa, filho, e José Rubem Fonseca, o mesmo que escreve contos de Feliz Ano Novo, livro supercensurado em 1976 e pelo qual 1.076 assinaram manifesto publicado pelo Jornal do Brasil.


Ora, a esta altura, Rubem Fonseca e os próprios homens do sistema, inclusive o ministro Armando Falcão, deveriam estar rindo dos babaquaras e ingênuos...

A chamada comunidade lítero-artística aqui do Rio parece ter encafifado com o desmascaramento. Eu, não. Policial pra mim é policial. E Rubem Fonseca foi delegado de polícia, antes de ser um dos principais elementos da Light, ainda canadense. Era o sexto homem da Light no Brasil. Logo, policial vitorioso”.